"Uma vaga noção de tudo, e um conhecimento de nada."
Charles Dickens (1812 - 1870) - Escritor Inglês

quinta-feira, 5 de outubro de 2017

Pecar e Perdoar - Deus e o Homem na História

Pecar e Perdoar –
Deus e o Homem 
na História

Leandro Karnal

Editora: Harper Collins

204 páginas

“Errar é humano.” Essa afirmativa tão comum encerra uma verdade mais profunda que muitas vezes se perde no clichê: o pecado e o perdão são duas faces da mesma moeda — sem um não pode haver o outro. É exatamente dessa duplicidade que o historiador Leandro Karnal trata em Pecar e perdoar — Deus e o homem na história. Com uma análise focada nas experiências tão intrinsecamente humanas do desvio da norma e do restabelecimento da confiança, Karnal mostra como a sociedade moderna ainda utiliza essas noções baseadas na religiosidade judaico-cristã, e como, apesar de suas origens tão antigas, tais conceitos seguem cada vez mais atuais. [Texto da conta capa] 
*
Do pecado original aos pecados contemporâneos, Karnal destrincha o assunto neste ótimo livro. Pecar e Perdoar - Deus e o Homem na História, em um texto leve, lúcido e instigante, nos leva a refletir sobre os pecados e o perdão. Karnal fala no decorrer do livro dos pecados capitais, em especial a inveja, e principalmente sobre o orgulho, que ele considera o pai de todos os pecados. Fala também sobre alguns personagens envolvidos com a religião. E através de passagens bíblicas, desde o Livro do Gênesis até ao Apocalipse, o autor, nos explica teológica e filosoficamente, mas de fácil compreensão, sobre os ditames do pecar e do perdoar e delineia sobre a moral, a ética e os preceitos religiosos que formam a base da tradicional família cristã. E, é impressionante, como Karnal não sendo religioso, ele entende muito mais da bíblia e dos dogmas religiosos, que os ditos religiosos. Com isso ele traz um texto coeso, imparcial e tocante sobre estes temas. Ele ainda cita livros, - em especial “A Divina Comédia” -, obras de arte e reflete também sobre outras religiões, estes mesmos temas que envolve o Deus e o Homem na história da humanidade, tudo com uma desenvoltura que lhe é peculiar.

Karnal é figura fácil hoje em dia. Publica livros, escreve em jornais, em revistas, mas, é na internet, nas redes sociais, mas precisamente no Youtube, onde há várias palestras dele pelo Brasil afora, tratando de vários temas com uma visão equilibrada e com uma erudição ímpar.

Karnal fala de coisas que queremos ouvir, ou pelo menos o que quero ouvir, refletir e entender.

Trechos:
_ “...se o mundo for criado só com misericórdia, haverá muitos pecadores; se for criado exclusivamente com justiça, ninguém poderá subsistir. Assim, o mundo é elaborado com misericórdia e justiça. Em outras palavras: se Deus for muito compreensivo com sua criação, cada um fará o que bem entende e se distanciará do Criador; se for exclusivamente justo, ou seja, punir quem erra de acordo com a Lei, quem poderia sobreviver ao rigor do olhar divino?...” – p. 18

- “A regra é a mãe do infrator. Talvez isso explique que a justiça de Deus ande de mãos dadas com sua misericórdia.” - p. 20

- “Cometi o pior dos pecados que um homem pode cometer. Não fui feliz.” - Jorge Luis Borges - citado à p. 43

- “Um alienígena que olhasse à distância estelar o desenvolvimento dos Cristianismos, diria que eles são um fracasso em relação à síntese que Jesus deu para os mandamentos. Amar ao próximo como a si mesmo? A Inquisição católica, a carta de Lutero recomendando matar os judeus, os calvinistas enforcando supostos feiticeiros em Salem: a história cristã é, basicamente, uma história de crimes. Acima de tudo, é uma história institucional de negação da solidariedade e da compaixão. O alienígena teria apoio amplo entre ateus e antirreligiosos deste planeta.” – p. 50

-“... a Igreja Católica criou uma palavra mnemônica, ou seja, uma palavra que ajuda a recordar. A palavra é SALIGIA. As letras partem dos pecados em latim. O S é de superbia (soberba, orgulho); o A, de avaritia (avareza); o L, de luxuria; o I, de invidia (inveja); o G, de gula; o I, de ira; e o A, de acedia (a já citada acédia ou preguiça). Também foi comum representar essa lista com animais: um sapo para a avareza; cobra para inveja; leão para ira; caracol para a preguiça; porco para a gula; cabra para a luxúria e um pavão para o orgulho. Sete pecados, sete animais e uma palavra para a arte mnemônica: SALIGIA.” – p. 53

- “Em geral, quando somos mais jovens, somos ou mais otimistas ou mais cegos na crença da nossa invulnerabilidade. O envelhecimento nos torna mais covardes.
Temos mais medo dos riscos e da dor causada por ações perigosas. Esse medo, geralmente, é chamado de virtude.” – p. 55

- “...a inveja é envergonhada: invejar é reconhecer-se inferior, ser menos do que alguém. O invejoso tem uma dor profunda, que é o limite da sua capacidade, ou do que ele imagina que seja sua capacidade.” - p. 68

- “ A virtude não iria tão longe se a vaidade não lhe fizesse companhia”.
La François de La Rochefoucauld -  citado à p. 80

- “Existi “999 professores de virtude para cada pessoa virtuosa”. -p. 80

-“ Há mais amuletos contra a inveja do que contra o estupro ou o roubo. A inveja seria mais
grave? Talvez a resposta esteja na estrutura da inveja. Como já visto, ninguém é invejoso, ou, ao menos, ninguém se considera invejoso.” –p. 83

- “A religião pode consagrar os limitados. O empreendedorismo, não.” – p. 169

-“Mas a oração pode ser de agradecimento. Nesse caso, a consciência também existe. Eu tomo consciência das graças alcançadas e digo obrigado. Essa é a função do obrigado: eu reconheço que recebi um benefício, um presente. A oração pode ser de expiação, de meditação sobre o pecado, de dor pelo erro cometido. Mais do que nunca, ela se torna um exercício de consciência. Pequei; errei contra Deus e contra meu irmão; sinto-me mal pelo que fiz, disse ou deixei da fazer; tentarei não fazer de novo. É um exame de consciência com incenso, psicanálise de joelhos, e não no divã. O resultado dessa consciência é tão incerto quanto a psicanálise, mas tem uma pequena vantagem: a prece é mais econômica.” -p. 192

-“Deus não será maior se o respeitas, mas tu serás maior se o servires.” – Agostinho de Hipona - citado à p. 193

No final do livro, Karnal recomenda 7 filmes:
“Como vivemos em um mundo de imagens, também vou recomendar alguns filmes. Eles ajudarão a aprofundar temas e despertar novas perguntas. É uma lista subjetiva que pode ser aumentada ao infinito. Nem todos são obras-primas, mas todos fazem pensar.”

1. Homens e deuses (2010) é história de monges trapistas que foram mortos em circunstâncias misteriosas na Argélia, em 1996. Fala de violência, coragem, perdão e fé.

2. A chave de Sarah (2010) é um filme sobre uma vítima do holocausto, Sarah Starzynski, que carrega uma imensa culpa pela morte do irmão. Sua história é resgatada pela jornalista Julia Jarmond. O filme tem um aspecto pouco trabalhado: nossa eventual incapacidade de superar a culpa ou a dor.

3. As aventuras de Pi (2012), citado no livro. É uma história metafórica sobre a opção de crer em Deus. Filme bonito, mais bonito do que denso, mas que vale a pena.

4. O sétimo selo (1957) é uma obra-prima de Bergman e fala de todos os eixos essenciais tratados neste livro: morte, perdão, pecado, humanidade. Filme indispensável sobre o humano e sua insuficiência.

5. A separação (2011) discute um problema conjugal no Irã e os dilemas de uma mulher que deve cuidar do pai. Filme interessante para discutir opções e religião.

6. O gato do rabino (2011) é uma animação divertida sobre um gato que recebe o dom de falar e quer se converter ao Judaísmo, não sem antes questionar a fé.

7. Alexandria (2009) é um filme espanhol que conta a história de Hipácia, matemática e filósofa do quarto século que foi perseguida e morta por cristãos. Discute a relação entre ciência e fé e agrada muito aos críticos da religião.

“Temos que pedir perdão e conceder o perdão. 
É de Sábio fazer isto.”

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Em latim, uma frase forte: “Cave Cave Deus Videt”
em tradução livre, “Cuidado, cuidado, Deus vê”. – p. 164
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O Autor: 
Leandro Karnal (1963) é gaúcho de São Leopoldo-RS. Historiador e professor da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Formado em história pela Universidade Vale do Rio dos sinos e doutor em história social pela Universidade de São Paul, ele já trabalhou como curador de exposições e museus. Autor de diversas publicações na área e de artigos em jornais e revistas de circulação nacional. Autor também de: "História dos Estados Unidos", "Conversas com um Jovem Professor", "Detração, A - Breve Ensaio Sobre o Maldizer" e "Todos Contra Todos: o Ódio Nosso de Cada Dia".

Fica a Dica!

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